uidar dos filhos menores e adolescentes parece ser uma obrigação até mesmo intuitiva de qualquer pai ou mãe. Parece, mas infelizmente não é assim…
Cuidar dos filhos menores e adolescentes parece ser uma obrigação até mesmo intuitiva de qualquer pai ou mãe. Parece, mas infelizmente não é assim.
O Brasil registrou 27.059 acolhimentos em abrigos de crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos por abandono pelos pais ou responsáveis de 2015 até julho de 2023.
Esse número assustador é apenas um espelho das diversas formas de abandono que uma criança ou adolescente podem sofrer.
E são diversos registros. Há casos de negligência, violência física, sexual, psicológica, situação de rua e tantas outras.
Mas muitas vezes isso acontece também de maneira sinuosa e oculta, dentro de casa mesmo. Quando os pais não têm condições de dar um mínimo de sustento aos filhos e acabam impedindo seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, tal qual preceitua o art.3º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse cenário de abandono, vários institutos foram criados como forma de dar proteção e garantir direitos elementares como vida, alimentação, saúde e dignidade aos menores. Dentre eles a adoção, a tutela e a guarda.
Este último, a guarda de menores, é o que ocupa o espaço mais polêmico no cenário de proteção instituída pelo Estado. Talvez porque sua feição paire sobre uma zona cinzenta em que os cuidados dos menores são passados a terceiros, mas ainda assim se mantém aos pais as mesmas incumbências protecionais. E nessa dupla obrigação de cuidado surgem espaços para simulações e perpetuação de benefícios como pensão por morte.
Conceitualmente, a guarda é entendida como um complexo de direitos e deveres objetivando a proteção integral do menor, de modo que ao guardião cabe o dever de cuidar, prover, vigiar, educar e tê-lo guardado em sua companhia e reavê-lo de quem o detenha injustamente.
Na prática é conferido na maioria das vezes a tios, tias, avôs e avós, ainda que os pais estejam lá, por perto. É um procedimento judicial.
Mas afinal, o menor sob guarda tem direito à pensão por morte do guardião? No âmbito do INSS não é possível. Somente por meio judicial.
O INSS deixou de conceder a pensão ao menor sob guarda desde 1996, com a medida provisória n.1.523/96 e hoje reconhece como dependente para fins de pensão além dos filhos de qualquer condição – adotivos e biológicos, abastados ou não -, os enteados e menores tutelados. Não há previsão legal ou constitucional de garantia ao menor sob guarda.
A solução ainda está no Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, que prevê a condição de dependente da criança e adolescente para todos os efeitos, inclusive previdenciários. E tanto o STJ quanto o STF já se posicionaram favoráveis ao menor.
O embate que fica é justamente o da fraude. Como se trata de um instituto em que terceiros podem ter a guarda do menor, mantendo ainda a obrigação dos pais de sustento, ainda que não possuam condições naquela ocasião, há um espaço para se colocar tios e avós como guardiões para assim perpetuar aposentadorias que seriam fulminadas com a morte do guardião.
Infelizmente algumas políticas públicas elaboradas com o melhor dos propósitos acabam sendo pervertidas na ocasião em que são postas em prática e isso faz com que o ente público tenha cautela quando percebe o desvirtuamento do seu projeto original.
É o caso da união estável, cuja equiparação com o casamento para todos os fins legais é de irreprovável sensibilidade e justiça. Mas na prática o INSS tem que ter cautela redobrada para, por exemplo, evitar que uma cuidadora não ganhe pensão se fazendo de companheira ou um namorado ou namorada aventurem o benefício porque têm fotos juntos em redes sociais.
O conceito de menor sob guarda se insere nesse contexto. Em que o Estado tenta conferir o máximo de proteção possível ao menor, reconhecendo e oficializando situações de fato que já vem acontecendo, mas tentando se resguardar dos desvirtuamentos de propósito.
O ideal seria poder separar com precisão o joio do trigo, ou seja, os menores realmente amparados por terceiros daqueles que pretendem registrar essa condição só para manter uma pensão mesmo tendo os pais por perto na prática.
Mas o ideal, como o próprio nome diz, plana no mundo das ideias. Por hora, façamos com o que temos.
Proteção aos menores na medida de cada necessidade real. Protegê-los é uma inegável garantia de uma próxima geração melhor.
Imagem: Freepik
Autor
Formado em direito pela Universidade Federal do Maranhão, aprovado nos concursos pra procurador de fazenda nacional e procurador federal. Foi assessor no TRF1. Procurador Chefe do INSS do Maranhão e membro da Equipe Nacional de Consultoria de Benefícios. Professor de direito previdenciário, criador de um método dinâmico, prático e eficaz para o aprendizado do direito previdenciário. Apaixonado por musculação, leitura. Adora ensinar.
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